sábado, 30 de abril de 2022

 DALTONISMO

Olhe de novo: Não existem brancos. Não existem pretos. Somos todos arco-íris.

 -Ulisses Tavares-


Ainda na época da faculdade eu tinha uma agenda da Tribo, na qual, em cada página, havia um poema ou uma frase interessante de algum pensador. A frase acima veio dessa agenda, e me faz lembrar o sentimento que eu tinha - apesar de não saber nomear - acerca da igualdade racial. Nunca me passou pela mente a mínima ideia de que alguém pudesse ser melhor ou "superior" a outrem em razão de sua raça/etnia. Isso nunca fez qualquer sentido para mim, e continuo sem compreender os discursos e práticas racistas. 

No entanto, até pouco tempo atrás eu reproduzia as falas machistas, e acreditava nelas.

Lembro, por exemplo, que quando ingressei na carreira do Ministério Público, eu preferia trabalhar com estagiários do gênero masculino, e argumentava - para mim mesma - que mulheres eram muito competitivas entre si por frivolidades, o que atrapalharia a dedicação ao trabalho. Isso nada mais é do que a repetição de um dos primados do patriarcado, que faz com que nós, mulheres, tenhamos umas às outras como rivais, e não como aliadas.

Era o que eu havia aprendido ainda que de maneira velada: os homens merecem mais chances no mercado de trabalho, são mais competentes, o que então reproduzi por um longo período, contratando preferencialmente estagiários do gênero masculino. 

Essa crença universal de que os homens possuem mais capacidade para ocupar certos postos de trabalho é que perpetua a desigualdade salarial e a dificuldade para que as mulheres atinjam cargos mais altos nas empresas, tenham espaço nas casas legislativas e conquistem espaços de poder. 

 Em relação à desigualdade salarial no mundo, a ONU aponta a cifra de 16%,  o que significa que as trabalhadoras ganham ao redor de 84% do que ganham os homens. Essa diferença pode ser ainda maior no caso das mulheres negras, imigrantes e mulheres que são mães.

Saber que, de alguma forma, contribuí para isso, me entristece muito. 


 

Nascimento

 Esse blog nasce da necessidade de falar sobre uma trajetória pessoal e profissional que teve o feminismo como um divisor de águas. Falar sobre o que a perspectiva feminista fez comigo e com a minha carreira tornou-se uma necessidade, e escolhi esse espaço para isso. Às vésperas de completar 50 anos, renasce em mim o desejo de escrever, que trago desde a infância, mas que por vezes ficou adormecido.


Minha infância e adolescência aconteceram na década do politicamente incorreto, em que os absurdos eram naturalizados. Lembro de um tio paterno que tinha uma pasta/arquivo com piadas racistas, e ele ria muito quando as contava. Todos riam, e eu, criança, achava que devia rir também. Um dos programas mais assistidos da TV, "Os Trapalhões", tinha quatro personagens e um deles era negro - o  Mussum - e nele eram reproduzidos todos os estereótipos da raça negra, sendo abertamente alvo de racismo em horário nobre da televisão brasileira. Quando outro personagem, o Didi, o chamava de "macaco", a claque dava o sinal de que isso era uma brincadeira engraçada.

Mas por quê, se a ideia do blog é falar sobre o impacto do feminismo na minha vida, eu começo falando em racismo? 

Porque o racismo, assim como o machismo, foram as estruturas opressoras que me formaram enquanto indivíduo, e estão muito mais interligados do que podemos apreender à primeira vista.

Não quero aqui afirmar que minha família tenha me ensinado a odiar as pessoas negras ou que me dissessem claramente que as mulheres possuem menos valor do que os homens na sociedade. Fui incentivada, tanto quanto meus irmãos, a estudar e ter uma carreira - mas minha sexualidade sempre foi alvo daquele cuidado exacerbado que só as meninas recebem. 

Na escola onde estudava (colégio de freiras, e particular) tinha apenas uma colega negra, e nunca pensei no porquê, não fui ensinada a ver o racismo estrutural que mantinha a população negra fora das melhores escolas. 

Na faculdade (agora uma universidade federal), a mesma coisa: tinha apenas um colega negro na turma. Mas na década de 90 esse assunto, o racismo, ainda não era pauta para jovens universitários que, como eu, estavam mais interessados em curtir a vida enquanto criavam as bases da formação profissional. Da mesma forma, o feminismo também me passou despercebido, mesmo no meio acadêmico. Se ouvi falar, nem lembro, porque isso não me interessava - aliás, sequer tinha noção desse movimento tão antigo e tão potente.


 DALTONISMO Olhe de novo: Não existem brancos. Não existem pretos. Somos todos arco-íris.  -Ulisses Tavares- Ainda na época da faculdade eu ...